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A rotina da mãe de um trio

outubro 30, 2017

O dia ainda não raiou. Pelas janelas, ainda não entra a luz do sol. São 5h30 da manhã. O pequeno e mais novo “relógio” começa a remexer em seu berço. Sim, é hora de a mamãe levantar. Os olhos ainda pesados precisam de uma boa dose de água fria. Ela se dirige à cozinha, prepara a mamadeira – lembrando que isso é novidade pra ela, que amamentou os outros dois filhos até um ano e meio – e segue para o berço. Ele a recebe com um sorriso. Antes, o bebê só sabia chorar. Agora, próximo aos três meses, já sorri. Ela o pega no colo docemente e vai alimentá-lo. O sol começa a clarear o quarto. Logo as duas outras crianças hão de acordar. Assim começa seu longo dia.

Seis meses antes

Às 7h, o despertador do celular toca. Ela levanta e, conforme manda a rotina, prepara o café da manhã. É o aroma do forte café que a acorda. Isso é sagrado em todas as manhãs. Ela segue para o banho, se arruma para o trabalho. Confere o sono das crianças – Pedro e Mariana – cada qual em seu quarto. Dá um beijo no esposo, que também se levanta pra trabalhar e corre para mais um dia de expediente.

Nessa correria, mal recorda que está com um barrigão de seis meses. Carrega em seu ventre o terceiro filho, o Paulinho. Só se lembra deste fato, porque as dores ao caminhar estão lá, a cada passo que ela dá, em decorrência de uma terrível inflamação na pelve decorrente da gravidez. No trabalho, uma equipe a ser coordenada. Reunião de pauta, jornalistas nas ruas, atendimento à imprensa, matérias sobre a mesa pra corrigir, planejamento das redes sociais pra liberar, o artigo do presidente da empresa por escrever, o vídeo do evento do fim de semana pra fazer os últimos ajustes. O tempo voa. Já está na hora do almoço e ela corre pra aula de natação. É necessário para ter uma gravidez saudável. Ela engole a comida num restaurante qualquer a caminho do trabalho. Volta pra sua rotina que segue até a hora de buscar o filho mais velho no colégio. À noite, reunião do Segue-me em casa. Sim, ela e o esposo vão coordenar o encontro de jovens da Paróquia que envolve mais de trezentas pessoas. Neste meio tempo, lanche pros filhos, banho, deveres do colégio dos rebentos a fazer, um afago no marido, a oração do Santo Terço em Família. O dia chega ao fim bem após o relógio acusar que passa da meia-noite, já entrou no dia seguinte.  Ela, com seu corpo cansado, repousa. E pede a Deus um sono reparador.

Hoje

Entre sorrisos e sons balbuciados, o bebê segue acordado até umas 9h, 10h. A essa altura, Pedro e Mariana já levantaram. Eles não passam despercebidos pela casa. O som da voz, o corre-corre entre a sala, cozinha, quartos, se faz presente. “Bom dia, irmãozinho!”, exclama Mariana, que sempre acorda de bom humor. Pedro já diz: “Posso segurar ele?”. O mais velho assim o faz, porque é um bom ajudante da mamãe, no auge dos dez anos de idade.

Banho no bebê. Mais uma mamadeira. Entra na rotina do sono. É hora de correr pra arrumar os mais velhos para o colégio, dar almoço e levar para a escola. Nesse meio tempo, ela brinca de boneca com a filha do meio. O tempo em casa a permite aprender tranças novas, fazer coque de “bailarina”, Maria Chiquinha dos dois lados, tudo conforme o desejo da pequena, hoje, com quatro anos. “Quero ir de Elza, mamãe”, ela pede. E segue de princesa do Frozen para a escola.

À tarde, a casa silencia, mas o bebê não tem rotina durante o dia. Ele dorme sonos picados e adora cochilar nos braços da mamãe. Entre trocas de fraldas, mais mamadeiras e muito colo já é hora das crianças retornarem à casa. Uffaaa, o dia já passou! Papai entra no ritmo da dança. Ora ajuda a preparar a janta ou o lanche, ora a cuidar do bebê. Hoje é segunda. Pedro tem taekowondo. O tempo corre ainda mais. (No decorrer da semana, ele ainda tem Robótica, reunião dos coroinhas e missa pra servir.) Essa é a hora que o bebê está mais desperto. Ele já entendeu que os irmãos estão em casa. Mariana corre, já vem direto falar com o irmãozinho. Ele fica feliz, agita as perninhas, os bracinhos, e grita sem parar. A rotina segue. Louça pra lavar. Dever das crianças por fazer. Prova pra estudar. Banho antes de dormir. Após tudo isso, todos param. É hora do Santo Terço. Eles rezam em família.

O relógio volta a acusar que é tarde da noite. A meia-noite se aproxima. Ela, mãe, dá bronca nas crianças, que ainda têm energia e querem correr pela casa. Eles também querem atenção, pois o dia foi recheado de tarefas e a mamãe, com seu bebê a todo tempo no colo, só pôde, durante os poucos intervalos, cuidar das responsabilidades que envolvem o lar. Os dois vão para seus quartos. Papai dá mais uma mamadeira para o bebê antes de dormir.

Ela respira fundo. Deita o corpo exausto sobre a cama. A culpa toma conta dela. Ela sente que pouco se doou aos meninos. Que Mary está distante e que já não tem o aconchego da mãe como antes. A pequena demonstra isso tentando chamar atenção, fazendo coisas que antes não fazia. Pedrinho já é um rapaz, mas também precisa de atenção. Ele é sentimental. Seu rosto expressa o que o coração quer dizer. Mas não para por aí. Ela olha para o esposo, também cansado da dura rotina, e percebe que não sobrou tempo pra ele. Ele segura forte a mão dela, sem precisar falar uma única palavra, diz: “Estou contigo!”. Ela fita, ainda, a cara bicicleta ergométrica que comprou para se exercitar em casa. “Seria mais fácil”, pensou outrora ela. Mas a bicicleta virou cabide e ela não consegue cuidar de si. E o passa relógio mais uma vez da meia-noite, marcando o dia seguinte que irá se iniciar religiosamente às 5h30 da manhã. “Vai passar”, pensa ela, mas já cheia de remorso, porque a rotina louca que lhe espera após a licença maternidade, logo vai chegar.

A licença maternidade é assim: um hiato em sua vida. É, de fato, uma licença dos outros papéis que lhe cabem. Oportunidade para, apenas, ser mãe. Nada mais! Ela fecha os olhos e agradece a Deus a graça de ser família e de ter ganho esses três lindos presentes.